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Eu e a Outra

Coisas maravilhosas, coisas assustadoras, viagens exóticas, dia-a-dia monótono, bichinhos tropicais e muito amor. Ponham-se confortáveis que vamos começar.

Eu e a Outra

Coisas maravilhosas, coisas assustadoras, viagens exóticas, dia-a-dia monótono, bichinhos tropicais e muito amor. Ponham-se confortáveis que vamos começar.

E tu, pariste bem?

20.01.21, Eu e a Outra

Há 6 meses e uns dias, vestia uma bata de hospital. Acordei a sorrir, cheia de alegria e entusiasmo, mas esses sentimentos foram-se dissipando com o passar do dia. Após 8 horas de contrações, 3 tentativas de indução e 3 avaliações do colo do útero muito dolorosas, tinha dilatado meio centímetro. O dia não ia de acordo com o plano. No momento em que engoli as minhas lágrimas e disse à médica assistente que estava pronta para uma cesariana, recuperei a minha alegria. O meu estômago estava vazio, o meu corpo estava cansado, mas eu estava cheia de energia. Senti-me fortalecida. Senti-me no caminho certo.

 

Quando entrei na sala de parto, vi os instrumentos cirúrgicos, os monitores, as luzes fortes, e senti um bocadinho de pânico. Nada disto era novo! Afinal, sou cientista biomédica e treinei no hospital mais alto da Europa. Devia valer de alguma coisa. Mas não. Ter os meus braços presos continuava a ser horrível. Pouco depois, o meu marido foi autorizado a entrar e segurou a minha mão. Navegamos pela cirurgia entre piadas e descrições detalhadas do que estava a acontecer na minha barriga. Eu sentia coisas, mas não sabia exatamente o quê. Uma cesariana é uma cirurgia brutal. São necessários quatro braços e várias rondas de puxar/empurrar, puxar/empurrar as várias camadas de tecido. No nosso caso, ainda tiveram o trabalho extra de desenrolar as três voltas do cordão umbilical que aconchegavam o pescoço da minha filha.  Não sei o que senti quando a bebé finalmente foi puxada de dentro de mim e a ouvimos chorar. Mas, quando a vi pela primeira vez, chorei.

 

Ela parou de respirar e foi levada para a neonatologia. Não pude segurá-la, nem fazer contacto pele a pele, nem amamentar na primeira hora pós-nascimento. A equipa cirúrgica suturou-me, as enfermeiras arrumaram a sala e levaram-me para o recobro. Verificaram os pontos, os meus sinais vitais, fui recuperando a sensibilidade nas pernas, fiz conversa de circunstância com a enfermeira. E vi outra mãe a segurar e amamentar o seu bebé. Eu estava sozinha.

 

Felizmente, após algumas horas, ela voltou para mim. Toquei na minha filha pela primeira vez e alimentei-a. Ao reunir-me com o meu marido e a nossa filha, tomei consciência que o dia tinha sido exatamente como planeado. Ela nasceu e nós também. Não puxei a minha filha para fora de mim. Não fiz nenhuma das coisas que as pessoas dizem que deveríamos fazer. E, no entanto, tenho a certeza que sou a melhor mãe que esta criança poderia ter.

 

Todos os dias vejo pessoas apologistas acérrimas da maternidade natural. Direta ou indiretamente,  por provocar um sentimento de culpa e de inferioridade nas mães que têm partos escolhas ou situações diferentes. Quando amamos e damos o melhor de nós, somos boas mães. Até os pais são boas mães. 

 

 

 

* Eu sei que sou privilegiada porque pude escolher uma cesariana antes de muito sofrimento. Conheço pessoas que suportaram 2 dias de trabalho de parto ativo antes de receberem essa opção. Conheço pessoas que nunca tiveram essa chance. Todos os dias da minha gravidez, senti-me grata por ter plano de saúde privado. Especialmente durante uma pandemia. Fui acompanhada na CUF Alvalade e a minha filha nasceu na CUF Descobertas.Os cuidados médicos durante a gravidez, parto e pós-parto foram excelentes e sou grata até o fim dos meus dias.  *

**Contrariamente ao que se diz por aí, parto por cesariana não é a escolha fácil. Estamos em pé seis horas após uma cirurgia abdominal com uma dose mínima de medicação. Um paciente normal está pelo menos 24 horas em repouso.**