O estranho caso em que me revi num artigo da Visão
Li um artigo da Visão, escrito pela Filipa Araújo, uma das colaboradoras da rubrica "Nós lá fora", que descreve muito bem alguns aspetos desta vida de emigrante. Identifiquei-me muito e digo-vos porquê.
Começa assim:
Os dias (de um emigrante) em Portugal não deviam ser considerados férias. (...) É que, quem pensa que ir a Portugal é o mesmo que estar na praia a relaxar está, claramente, equivocado.
Isto pela simples razão de que tentamos condensar um ano de vida em duas semanas. E todos sabemos que a vida é complicada, tem (muitas) pessoas e atividades e emoções. Tem amigos e família.
O turbilhão de sentimentos que uma visita a Portugal implica é suficiente para nos deixar exaustos. Exauridos de tantas emoções dentro de nós.
Quando nos mudamos fisicamente para outro país, nós mudamos também. Nós, no nosso interior, na nossa forma de ver a vida. É certo que toda a gente muda, mas os emigrantes mudam mais e mais rápido, pelo menos nos primeiros anos fora.
Como os antigos diziam “órados” da cabeça tal é a dimensão e velocidade das informações, das sensações, dos sabores, do querer-aproveitar-tudo-quanto-possível-porque-já-só-voltamos-para-o-ano-que-vem-mas-não-sabemos-o-que-aproveitar-porque-parece-que-nada-mudou-mas-afinal-talvez-tu-tenhas-mudado-e-já-não-pertences-ali-mas-queres-pertencer-e-no-fim-não-sabes-bem-de-onde-és. Ufa.
Outra coisa importante de notar é que o emigrante (correndo o risco hediondo da generalização) tem uma vontade enorme de resolver os problemas da família e amigos que deixou para trás. E eu acho que isso deriva de um (pequeno) sentimento de culpa por tê-los "abandonado" e porque agora consegue avaliar do lado de fora, ganhando um ponto de vista privilegiadíssimo sob os diversos labirintos que são as vidas dos nossos ente-queridos.
A exaustão piora quando as coisas não estão bem. Neste mundo real, acontecem coisas más. E nós, queremos ali, em horas, em escassos dias, resolver o que se vem a arrastar há meses. Queremos curar o irmão em sofrimento, decidir pela irmã. Queremos emendar o que está errado, apagar as zangas, alertar a amiga. No fundo, queremos ser heróis. Nunca o seremos. E voltamos assim, quase sem soluções. Portadores de um coração apertado e exausto.
Mas, no fundo, acabamos sempre assim...
Exaustos de tão felizes. De tão gratos.